Publicado por: lucianonanzer | domingo, 11 abril 2010 - 2:54 PM

Reflexão Bíblica – Padre Paulo Mazzi

 Os pecadores se aproximam de Jesus. Precisam da sua Palavra. Os fariseus e os mestres da lei religiosa se afastam, porque Jesus acolhe os pecadores e come com eles. Por trás está uma imagem distorcida de Deus, que não tolera pecadores.

            Jesus, na parábola, nos revela a verdadeira imagem de Deus, como “funciona” o coração do Pai. Cada ser humano é um filho de Deus. Existem as pessoas que se comportam como o filho mais novo: se relacionam com o Pai na base do interesse. Não querem o Pai, mas aquilo que o Pai tem para lhes oferecer: a herança. Conseguida a herança, não sentem mais necessidade de ficarem perto do Pai. Partem para um lugar distante: distância de religião, distância de igreja, distância de qualquer coisa que lembre norma, disciplina, regra, qualquer coisa que lembre os valores recebidos do Pai.

            Distante do Pai, o filho leva uma vida desenfreada: sem freio, sem preocupação com o certo e com o errado, se a maneira de se comportar e de tratar os outros é justa ou não. Nesse tipo de vida, a única regra, a única norma que a pessoa aceita é aquilo que lhe dá prazer. Não tendo o freio da consciência, não tendo uma disciplina interna, o resultado é uma pessoa fracassada, entregue à fome e à humilhação.

            Seria fácil ver nesse filho mais novo a mesma trajetória de vida de tantos adolescentes e jovens dependentes químicos. Mas esse filho mais novo hoje pode ser uma pessoa de 40, 50, 60 anos, que descobre que “nunca é tarde para ser feliz”; nunca é tarde para dar um chute nos valores recebidos do Pai, jogar tudo pro alto e partir para um lugar distante, na esperança de encontrar uma felicidade que julga não ter onde estava até então. Esse é o mistério da liberdade humana: por mais que Deus nos ame, não prende ninguém à força junto de Si. Nós sempre podemos usar mal a nossa liberdade, trocando o convívio com o Pai pela companhia do chiqueiro, da lavagem e dos porcos. Ninguém de nós está livre de pecar*, de errar o alvo na busca pela nossa felicidade (* “Pecar” significa “errar o alvo”).

            Mas, além da liberdade, Deus concedeu a cada ser humano uma outra coisa sagrada: a consciência. Toda pessoa é capaz de “cair em si” (v.17) e perceber que está num caminho suicida e que, se quiser, pode voltar. Mas só consegue voltar a pessoa que joga fora a sua auto-piedade, que deixa de lado a postura de vítima, de “coitadinha”, e assume com coragem o que fez de errado, que enfrenta o seu passado, o seu orgulho, e tem a coragem de admitir que errou. Muitos caem em si; muitos admitem que tomaram decisões erradas, mas não voltam. O orgulho é maior nessas pessoas do que a humildade. Sentem que não estão bem, que não são felizes; sabem que seria mais benéfico para elas voltar, mas não se movem do lugar onde estão: o Pai – se quiser – que as procure, que vá até elas e as traga no colo, de volta para casa. São adultos cronologicamente, mas o relacionamento dessas pessoas com Deus é marcado por atitudes imaturas, para não dizer infantis.            

            A verdadeira face de Deus aparece nos versículos 20.22-24: avista de longe o filho que volta, sente compaixão, corre-lhe ao encontro, abraça-o, cobre-o de beijos, devolve-lhe os sinais da sua filiação (túnica, sandálias e anel) e manda preparar uma festa. Deus não precisa das nossas explicações do porquê erramos. Para Ele, basta que tenhamos tomado a decisão de voltar a viver, de voltar a se encontrados, de voltar a conviver com o nosso único e verdadeiro Pai e com aqueles que são os nossos irmãos.

            Mas a humanidade não é feita somente de “filhos mais novos”. Existem também “os mais velhos”, pessoas religiosamente impecáveis, tementes a Deus, cuja vida é regrada e disciplinada; pessoas que nunca se permitiram questionar como seria a vida longe do convívio do Pai. Até hoje, viveram sua vida obedecendo a Deus. Mas, pela reação do filho mais velho à maneira como o Pai acolhe o filho mais novo que volta – nomeadamente, a raiva – ficam perguntas: São pessoas que obedecem a Deus porque O amam ou porque O temem? Estão na casa do Pai por convicção de que ali é o verdadeiro lugar onde são felizes, ou por falta de coragem de admitir o que pensam e o que sentem, se debatendo em fantasias que as fazem viajar para longe e viverem experiências totalmente opostas aos valores ensinados pelo Pai? A raiva que você às vezes sente diante da maneira como Deus perdoa alguém que cometeu absurdos é fruto da sua incapacidade humana de compreender a grandeza do perdão de Deus ou fruto da sua inveja por não ter se lançado no pecado como aquela pessoa se lançou? Às vezes temos muito do filho mais novo; outras vezes, do mais velho. Basta olhar no espelho da própria consciência…

            Jesus nos coloca novamente em contato com a verdadeira imagem do Pai, ao mostrar o diálogo e as atitudes que ele tem com filho mais velho nos versículos 28.31-32: o Pai sai de casa; Deus desce até o fosso escuro da nossa raiva, da nossa medida estreita, do nosso desejo de vingança mascarado de “justiça”, para nos convidar a rever as razões que nos mantém junto dele e a termos os sentimentos do verdadeiro filho, que é festejar e se alegrar por aquele que estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado.

            Essa cena é simplesmente a antecipação do mistério pascal: Jesus nos convida a crer no Pai misericordioso, reconhecendo que Ele pode fazer voltar a viver aquele que estava morto e fazer ser encontrado aquele que estava perdido. “O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo” (2Cor 5,17bc). Mas o que muda não é o lugar, nem as pessoas com as quais convivemos, e sim a nossa maneira de nos relacionar com as pessoas e de lidar com a vida. Daí o convite quaresmal: viver como pessoas reconciliadas com o Pai e com os irmãos, sejam eles mais velhos ou mais novos do que nós; deixar-nos reconciliar com Deus, o Pai misericordioso (cf. 2Cor 5,20-21).


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